Olá,
terminei, ontem, o livro As raparigas, de Emma Cline. Foi-me oferecido no Natal. Foi editado em novembro do ano passado, pela Porto Editora.
Foi com algum receio que vi que a escritora era bastante nova, pois costumo gostar muito dos clássicos e os autores muito recentes, a maior parte das vezes parecem-me "verdinhos". Pois então, Emma Cline, nascida em 1989, propôs-se a escrever um livro sobre adolescentes nos loucos anos 60... e consegue. Ainda que não seja um livro arrebatador e, por vezes, se torne ambíguo, transmite-nos toda a estranha confusão que é a adolescência, a necessidade de aceitação, de amor, de pertença a uma sociedade (seja ela qual for), de existir, ainda que a cara não seja a nossa, o corpo emprestado...
Evie, uma menina de boas famílias, talvez devido à vida familiar vazia e posterior separação dos pais, evidencia a necessidade de se revoltar ao mundo que não a vê. O divórcio dos pais permite-lhe ter uma grande liberdade, que a leva a querer experimentar, afinal está na fase em que tudo lhe é permitido. Empurrada pela sociedade da época envolve-se com um grupo (seita), que gira em torno de um líder, Russel. Este homem, mais velho do que a maior parte dos devotos adolescentes, que comanda ao sabor dos seus caprichos de estrela que nunca chegou a ser, usa as raparigas como forma de satisfazer os seus desejos sexuais, utilizando a técnica da valorização absoluta da felicidade e do prazer. As adolescentes competem entre si para ganhar a sua atenção e aceitam viver numa quinta mais ou menos hippie, mais ou menos refúgio de sem-abrigo ou adolescentes que não podem ou não querem voltar para uma vida imperfeita e insatisfeita.
Entre as muitas experiências eróticas e sexuais que lhes são permitidas, esta quinta permite-lhes a ilusão de liberdade absoluta. A necessidade de viver sem necessidade e esquecem a dependência que não julgam dessa forma, do grande Rei-Sol, Russel.
A história evolui com a Evie a fazer cada vez mais asneiras para poder pertencer àquele grupo que a acolheu e do qual passou a depender. Mesmo quando percebe que pode, a qualquer momento, voltar para uma vida "normal", Evie tende a voltar à dependência de Russel e Susane, a amiga que a seduziu para este mundo livre.
Na parte final, Russel, percebendo que a sua estrela nunca seria lançada, arquiteta um assassínio de vingança. Susane e mais alguns são incumbidos de matar alguém. Na viagem, que Evie tenta fazer, ainda que desconhecendo ao que vai, Susane, num acesso de paixão ou medo, expulsa Evie do carro, a qual regressa à "normalidade".
Posteriormente, a última soube que o seu grupo matou brutalmente 6 pessoas inocentes, incluindo uma criança. Russel tenta ilibar-se, mas todos acabam por ser presos e a quinta fechada. Evie martela no presente o seu passado e, sobretudo, continua a ter dúvidas sobre o que teria feito se tivesse continuado a viagem.
"Apontou para a casa degradada, o emaranhado de vegetação demasiado crescida. Todos os carros reduzidos a lixo e os tambores de gasolina e as mantas de piquenique abandonados ao mofo e às térmitas. Eu via, mas não absorvia nada: já me tinha armado contra ele e não havia mais nada a dizer."
in Raparigas, Emma Cline
É previsto que o livro seja adaptado ao cinema.
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